Vejo os cheiros, sinto os sons, escuto as cores.

5:45. O despertador avisa: você precisa levantar. 
6:00. O despertador grita: você TEM que levantar. AGORA. 

Tomar banho, comer, escovar os dentes, arrumar a cama, se certificar que o celular, os documentos e o parco dinheiro estão na bolsa, calçar os sapatos, parar trinta segundos em frente ao espelho, apertar o botão do sorriso amarelo: ele está lá, pronto pra ser usado o dia inteiro.
Procura a chave, abre a porta, desce as escadas, olha pro relógio, se pergunta: em que momento perdi cinco minutos do meu tempo? Talvez tenha demorado muito escovando os dentes. 

Aperta o passo, o corpo esquenta e os poros dilatam, o suor aponta que o dia já começou. Chega no destino, a boca fala "bom dia", mas a cabeça sabe que vai ser só mais um dia, no fim das contas, normal. Abre a agenda, olha os compromissos, se prepara pra cumprir cada um deles. Anota no bloquinho as coisas que não pode esquecer: almoçar, ligar pro namorado, dar feliz aniversário pra amiga, olhar nos olhos da mãe e dizer que a ama. Isso deveria ser feito nos intervalos de cinco minutos entre uma atividade e outra. 

A mulher não reparou na planta que nascia entre o concreto. Era a vida que insistia.
Também não percebeu uma família felina abandonada, com os filhotes brincando na entrada dos canos subterrâneos. 
Não viu o desenho das nuvens no céu.
Não sentiu o cheiro da chuva chegando. 
Não ouviu o barulho das folhas dançando com o vento. 

Produtividade!! Essa era sempre a palavra de ordem, o carro chefe, o grito de luta. 
Eu via essa mulher correndo mais rápido que o tempo, pulava de uma panela de pressão pra outra. Era insano, frenético, vertiginoso, incessante. 

E eu aqui produzindo o inútil, o impreciso. Alguém disse que fazer nada é um crime, então pode me prender, sou delinquente de alta periculosidade.

Vejo as cores, sinto os cheiros, escuto os sons.  
Vejo os cheiros, sinto os sons, escuto as cores. 

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